quinta-feira, 15 de agosto de 2013

3º andar

Anna era quieta, envergonhada, conversava com uma ou duas funcionárias da escola na hora do intervalo. Lia seu dicionário quando não estava estudando para outra coisa. Jamais seria capaz de fazer mal à ninguém.

Treze de setembro de 1995, Anna aguardava na fila da cantina o lanche que havia pedido. A escola parecia diferente naquele dia nublado e seco, tudo estava tão calmo, neblinado, chegava a ser até um tanto sombrio. A garota ouviu seu nome, como um sussurro, várias e várias vezes, mas não conseguia encontrar quem a chamava.

Pediu para que a merendeira esperasse um instante, enquanto ela ia buscar o dinheiro que havia esquecido na mochila, mas na verdade ela estava intrigada com os chamados e foi revistar cada canto da escola. Procurou no banheiro, nas salas, no auditório, na biblioteca, mas nada de encontrar uma pista.

Uma semana depois, enquanto aguardava o sino do lado de fora da sala de aula, depois de terminar a prova, Anna ouviu uma voz citar um trecho de seu livro preferido. Foi rápido, e ela demorou um pouco pra entender o que tinha escutado. Horas depois, conversando com o simpático e velho zelador, a menina disse o que ouvira, já que o homem também contava suas histórias intrigantes de vez em quando. Como era interessada em livros e relatos, ela perguntou se nada de diferente tinha acontecido naquela escola. Ele dissera que não, pelo menos não depois de se tornar uma escola. E a conversa foi seguindo.

- Setembro de 75, lá pelo dia 20, uma garota, Angélica, estudiosa e meiga, estava na biblioteca do 3º andar, onde agora é aquela sala velha e cheia de bagunça. Ela só conseguia se concentrar lá, onde não havia nenhum ruído. Quem dera eu te-la avisado sobre aquela sala, sobre as histórias que antecedem este lugar...

- O que o senhor que dizer com isso? - interferiu Anna.

- Há muitos anos, antes deste lugar se tornar qualquer coisa, foi um hospício. Antigamente, as coisas eram diferentes. As pessoas não eram bem tratadas, não eram nem mesmo tratadas como humanos. Haviam várias salas especiais, reforçadas, entende? Para os pacientes mais agressivos, como Katherine. Ela se debatia toda noite, gritava por ajuda, dizia que demônios estavam incomodando-a. Claro que, em um hospício, ninguém se importa com esse tipo de surto. Um certo dia, quando a moça voltava do banho de sol, de alguma maneira conseguiu se soltar. Sabe, Anna, isso não era possível, não para um humano pelo menos. Três guardas a seguravam, e ela matou os três em segundos. Caiu no chão, tremendo, gritando, dizendo que o mal a possuía e que ela estava amando aquilo. E então, ela enfiou um lápis no próprio peito.

- Isso é mesmo horrível, zelador. Mas o que tem a ver com a história de Angélica?

- A sala onde Angélica estava foi a sala onde essa mulher se matou. Angélica me dizia que coisas estranhas aconteciam lá de vez em quando, sabe? Barulhos nas paredes, arranhões no chão, mesas e cadeiras que de vez em quando saíam do lugar onde foram colocadas. Eu nunca contei à ela, não queria assustá-la. Um dia as garotas do último ano perceberam que Angélica subia até o 3º andar, e decidiram infernizá-la. Durou 3 ou 4 semanas, se bem me lembro. Até que ela não pôde mais aguentar. As duas meninas e Angélica foram encontradas mortas com um lápis enterrado no peito.

O clima ficou tenso naquela conversa, então Anna mudou de assunto para tentar não pensar muito naquilo. No dia seguinte, com muita coragem e audácia, Anna subiu até a sala onde as garotas foram encontradas mortas. A sala, que costumava estar em total desordem, estava limpa e arrumada. Na mesa que ficava exatamente no meio da sala, havia um livro de capa azul, aberto. Anna chegou perto e percebeu que algumas palavras estavam sublinhadas. Puxou uma cadeira e sentou-se. Era o diário de Katherine. As partes marcadas de tinta preta diziam ''Eu não posso mais suportar, eles não me tratam como deviam. Eu preciso fazer alguma coisa, viver nessa tortura, eu não posso... apenas não posso. Tomei uma decisão complicada, mas definitiva. Os lápis estão no meu bolso direito, de hoje não passa. A partir de hoje, ninguém mais me incomodará.'' Quando acabou de ler, Sara, Linda e Heloísa entraram na sala. Essas eram as três garotas que riam de Anna por ela se preocupar mais com o estudo do que com a beleza.

- Olha como o cabelo dela está mais sujo que o normal.

- Isso só nojento, olha a cara dela, me dá vontade de vomitar.

- Vai chorar, querida?

Vinte e um de setembro de 1995. Quatro garotas encontradas mortas com um lápis no coração. Isso nunca acabará.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A estrada de corpos

Era tarde quando João e Andreia voltavam de viajem. Tinham ido visitar a mãe de João, que estava bem debilitada. Os dois estavam muito cansados, mas decidiram continuar a estrada, já que por perto não havia nenhum hotel.

João, com muito sono, por um instante desviou da rota normal e foi parar numa estreita estrada de barro batido. Andreia já dormia, por isso nem percebeu o que o marido fizera. Não demorou muito e o carro começou a tremer, como se estivesse passando por vários quebra-molas. A mulher acordou num pulo.

- JOÃO! Você saiu da estrada, não foi? Eu disse pra me deixar dirigir, eu disse.

Brava, ela abriu a porta. Ao colocar o pé no chão, percebeu que não estava pisando em barro nem no asfalto. Era algo mole, no qual, em pé, ela não conseguiu se equilibrar e caiu. O único poste do local encontrava-se bem na frente de onde eles estavam. Ao abrir os olhos, Andreia viu que estava sobre vários corpos em decomposição.

O cheiro não enganava. João desceu do carro correndo após o grito da esposa. Aos poucos, a neblina foi saindo, e foi nesse momento que os dois entraram correndo no carro, acendendo o farol imediatamente. Feio isso, viu-se que os corpos iam quilometros a frente. Resolveram aguardar no carro, já que, se voltassem passariam em cima dos corpos, e se prosseguissem, o mesmo aconteceria, e Andreia parecia querer evitar isso.

Dormiram aproximadamente umas cinco ou seis horas. Levaram um susto quando acordaram. O tempo estava do mesmo jeito. Tudo muito escuro, neblina forte e um vento tenebroso, como se as horas ali nunca tivessem passado. João ligou novamente a luz. Tudo parecia igual, a não ser pelo fato de que, agora, o capô do carro estava coberto por sangue fresco.

- Vamos sair daqui agora, Andreia. Não fico mais nenhum segundo nesse lugar!

Ela concordou. Ele girou a chave, mas nada aconteceu. O carro não funcionava de jeito nenhum, e claro que nenhum dos dois desceria para olhar o motor. João abriu o vidro do carro pra não sufocar ali dentro, e gritou:

- SOCORRO! ALGUÉM AÍ? ESTAMOS PRESOS AQUI, POR FAVOR, PRECISO DE AJUDA.

Uma voz rouca e muito grossa respondeu, não muito distante:

- Não tem como sair daqui, pobre visitante.

Ao terminarem de ouvir esta frase, um rosto demoníaco e completamente deformado apareceu na frente do carro. Novamente, João girou a chave. E, novamente, o carro não funcionou.