Preto. Eis a cor que Croatos usava. Uma grande capa com gorro a qual cobria seus descalços pés. Sobre o barco, carregava duas miseráveis almas, tais quais trocavam moedas prateadas com o barqueiro. O barco foi seguindo o curso do vasto rio, no qual desapareceu dentre tanta neblina. As pobres almas desceram acorrentadas umas as outras, enquanto Croatos seguia rumo de volta à imensa fila na qual mais almas sofridas o aguardavam desesperadamente.
Os acorrentados seguiram gruta à dentro, em busca de algum sinal de luz. Horas sofrendo no meio da apavorante gruta escura, eis que acharam uma criatura imensamente grotesca. Olhos negros, dedos finos e longos, ombros largos e corpo esquelético. Tal criatura os guiou até um campo verde, que naquele momento encontrava-se sombrio. Lugar onde havia gritos pedindo por ajuda, sombras que passavam dentre as gigantescas árvores, mãos que acariciavam suas faces constantemente.
Lanake, a criatura, disse em uma rouca e grave voz: Que assim seja feita a primeira peste infernal: desespero! Logo o dito, tocou em uma das almas, empurrando-a escuridão à dentro. Segundos passaram, e um forte vento correu pelo campo. A alma que sobrara correu desesperadamente para o rio. Chegando as margens do tal, achou uma brilhante maça, a qual, tomado pela fome, mordeu. Ao sentir o amargo gosto, cuspiu o que mordera, vendo assim que dentro da aparentemente saborosa fruta, havia nada menos que areia. Assim que fez, pode-se ouvir a voz de Lanake bem ao fundo gritando: Que assim seja feita a segunda peste infernal: fome! Apavorado, a alma mergulhou no rio, no qual saíram dezenas de mãos podres que o puxaram para o fundo.
Croatos chegara com mais duas almas. As mesmas que seguiram por outra gruta, esta, mais profunda e tenebrosa. Puderam achar uma fraca luz vermelha no fim de um túnel que só pudera passar aquele que rastejara até o mesmo. E assim o seguiram, encontrando um grande salão de pedras, com almas jogadas ao chão, gritando enquanto outras almas abriam seus corpos com as unhas sujas e compridas.
Um grande homem de olhos brancos aproximou-se das duas perdidas almas e disse a uma das tais: Aproxime-se mais, cara alma. Ao aproximar-se, Kreteus, guardião da segunda camada do inferno, lhe deu uma foice de cor escura, a qual era para abrir uma das almas amarradas por correntes nas camas pedregosas. Sem escolha, a alma o fez, ouvindo gritos horrendos de dor. Então, Kreteus ordenou: Que assim seja feita a terceira peste infernal: sofrimento! Tomada pelo medo, a alma que restara foi seguindo rumo ao segundo salão, acompanhado do bravo guardião.
Ao entrar, viu uma grande confusão ocorrendo em volta de um velho. Um senhor claramente sofrido, de barbas brancas e longas. A alma perguntou a Kreteus: O que faz este homem sentado em meio à confusão? Por qual motivo estas almas negras gritam? O destemido guardião respondeu-lhe: Meu caro! As almas das quais você se refere estão perdidas, e o velho o qual citou é o único ser deste mundo que pode mostrar-lhes a saída, o que não fará, pois seu dever é manter a maior quantidade de almas neste recinto em que nos encontramos. Faz isso para que não faltem almas a serem torturadas. A alma disse: Isso me dá arrepios, apenas de pensar no desespero que estes seres sentem. Então, Kreteus disse-lhe: Alma cujo nome é inexistente, deixo-lhe aqui como símbolo da quarta peste.
Kreteus berrou alto: Que assim seja feita a quarta peste infernal: medo! Croatos lá do fundo vinha trazendo uma única alma na embarcação. Alma qual vestia-se de branco. Chegando as margens do rio, a alma escolheu, dentre as três grutas, a do meio. A mesma era curta, de caminho fácil, e logo de entrada se via a luz do fim. Então ela seguiu, encontrando uma porta aterrorizantemente grande, de madeira. Antes que pudesse empurrá-la, Felignis puxou-a. A alma entrou. O guardião da terceira e última camada do inferno disse-lhe: Porque veste branco na profundeza da escuridão?
A resposta veio breve: Visto-me de cor clara pois busco a paz! Felignis gargalhou alto, mudando o semblante em seguida. Pegou forte pelo braço da última alma e disse-lhe: Está vendo esta porta? Quero que abra-a e siga o curto caminho que há atrás dela. Veja se pode encontrar a paz nela.
A alma de branco abriu a tal porta, encontrando poucos metros de chão, e em seu fim o abismo. A porta fechou-se com um forte vento gelado. A alma seguiu o caminho e caiu no abismo. Enquanto fazia, ouviu a voz de Felignis dizer: Não há paz onde há pestes, meu caro. Quando terminar este abismo encontrará almas, milhares delas, que devem ser sacrificadas. Almas das pessoas que amou. E o seu trabalho será esquartejá-las, e quando fizer isto, elas vão se recompor, para que você possa matá-las, de novo e de novo, para a eternidade, para que você possa sentir medo, desespero, fome e sofrimento. Não há paz, meu caro.
E com uma segunda gargalhada, Felignis murmurou: Que assim seja feita a quinta peste infernal: Uma mistura das outras quatro pragas, a Agonia. E assim criaram as cinco pestes infernais, as quais deixam o inferno mais apavorante. Um lugar onde as almas que mais procuram a luz, encontram a escuridão do abismo.
deus me livre
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