quinta-feira, 24 de março de 2016

O Homem da Ladeira

As mãos molhadas de suor frio tremiam sem cessar. O olhar vazio de Amora indicava o tamanho susto que levara ainda há pouco. Maria Helena correu para o portão velho de madeira que dava de frente para a rua de terra, estava preocupada e curiosa para saber porque a filha estava naquele estado. Ao olhar a pequena estrada de chão batido, percebeu nada mais que rastros. Era comum os homens saírem a cavalo pra pescar no Rio Escuro aos fins de semana enquanto as mulheres cuidavam dos filhos, o que não acontecia com a família de Maria, composta por cinco mulheres.

- O que você viu, Amora? Desembuche! - perguntou a mãe após voltar intrigada.

- A carroça, eu vi a carroça de novo. Dessa vez eu juro que é verdade.

Helena revirou os olhos. Naquela casa ninguém mais aguentava ouvir Amora dizer que tinha visto uma carroça descer a enorme ladeira, essa lenda já estava ultrapassada para todos os moradores de Poço Fundo. O relógio ali batia sempre às onze da noite, horário para todas irem dormir. Lucuma, a irmã mais nova, dormia num colchão ao lado da cama de Amora, e todas as noites quando todos já estavam dormindo, pedia pra ouvir histórias.

- Maninha, o que você vai contar hoje?

- É você que sempre escolhe, Lu, é só dizer o que quer ouvir.

- Você pode me contar o que aconteceu hoje? A mamãe disse que não é coisa pra criança, mas eu já tô com nove anos! - disse emburrada!

- Tá, eu conto, mas você tem que prometer que ninguém vai ficar sabendo disso... promete? A irmã acenou que sim com a cabeça.

- Bom, há muitos anos atrás, quando a cidade ainda se chamava Morgélia, havia uma enorme casa que beirava a curva do Rio Escuro. Pertencia à Santol e Tâmara, um casal estranho que emprestava a casa para a dona de uma clínica para pessoas com necessidades especiais. O casal dormia no quarto mais alto da casa, separado do resto por correntes e enormes placas de aviso para não ultrapassarem. Qualquer pessoa que passasse dali desaparecia para sempre, seja paciente ou enfermeiro. Dizem que em um dia gélido e nebuloso, Massala, uma jovem com síndrome de down, saiu para dar uma volta por um dos locais proibidos sem saber. Brincou por todo o espaço até que seu pé afundou em um alçapão podre. Curiosa como toda adolescente, começou a puxar a tampa para ver o que tinha ali, mas desistiu quando sentiu o cheiro de carne estragada. Prendeu a respiração e pisou com força para terminar de quebrar.

- O que ela viu? - perguntou Lucuma com o olhar assustado e as mãos agarradas às cobertas.

- Você não ia querer saber dessa parte, vá dormir!

- Por favor, Amora, por favor.

Amora bufou e continuou:

- Ela viu dezenas de cabeças decepadas e colocadas para cima. Os buracos negros dos olhos arrancados pareciam penetrar na mente e alma. Os corpos, pelo que dizem, eram amontoados em uma velha carroça de madeira com rodas grossas, puxada por dois enormes cavalos pretos que estavam sempre bem cuidados. Baru, o escravo dos donos da casa, carregava esses corpos ladeira a baixo, até encontrar a parte mais funda e traiçoeira do rio para jogá-los.

Lucuma já quase não prendia as lágrimas de medo. Amora percebeu e parou.

- Desculpa, eu não queria que ficasse com medo, você disse que já era crescida.

- Eu não estou com medo! - disse ela tentando provar a coragem para a irmã. - Por que eles faziam isso com as pessoas?

- Guardavam a cabeça dos desobedientes pois achavam o gosto do cérebro mais saboroso. Quanto aos olhos... bom, os olhos eram espalhados por todos os lugares da cidade. A lenda diz que é para os espíritos nunca descancarem, para sempre ficarem de olho em quem desobedece e levar estes para a Casa Morta. E foi isso que eu vi, maninha. Vi o homem negro passando com uma carroça carregada de corpos pela nossa rua. Ele enfiava sua mão suja de terra dentro de um saco de pano e tirava um punhado de olhos, alguns foram jogados no nosso quintal.

- CHEGA! - gritou Lucuma, um pouco engasgada pelo choro. - EU NÃO QUERO MAIS OUVIR!

Maria Helena entrou no quarto com o lampião aceso.

- Que palhaçada é essa? Já não vêem que passa de meia noite? Já para a sala, Lucuma, deixe sua irmã dormir em paz e não volte nesse quarto.

Naquela madrugada todos dormiram como pedras. Amora foi a primeira a levantar. Foi direto pra cozinha, fez o café e voltou para acordar as irmãs. Ao passar pela sala percebeu que Lucuma não estava lá. Revirou a casa toda, exceto seu quarto, pois sabia que ela não estava lá. Sabia que se acordasse sua mãe, a casa ia tremer com os gritos de desespero, e provavelmente levaria a culpa. A passos rápidos foi para o quarto e deu uma olhada. Olhou para o chão e viu um pequeno rastro vermelho que escorria debaixo de sua cama. A cabeça de Lucuma estava virada para cima, com a boca entreaberta e os olhos arrancados, fixados em um ponto morto.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Posto 15

Há alguns anos, no dia 9 de julho de 1994, um sábado gélido e calmo, Juliana parou em um posto de gasolina às 02:47 da manhã para descansar da maldita viagem que vinha fazendo. Inclinou o banco na última posição, puxou uma coberta do banco traseiro e cobriu-se, ligando o rádio num volume baixinho só para que não se sentisse sozinha. De fato, ela não estava.

Por volta das 03:20 am, alguém bateu na lataria do carro três vezes, fazendo com que a garota acordasse com um pulo. Ela, muito esperta, não saiu de dentro do carro para ver quem ou o que era, ajoelhou-se no banco e olhou ao redor, mas não encontrou uma sombra sequer. Voltou ao sono, sendo acordada vinte e três minutos depois, novamente com três batidas, mas desta vez foram na porta do passageiro.

Desesperada, Juliana tentou ligar o carro várias vezes, mas não obteve sucesso. Certificou-se que os vidros e as portas estavam devidamente trancadas e se deitou, tirando o celular do bolso para ligar para a emergência, mas o celular estava completamente sem sinal. Uma batida estrondosa fez com que ela olhasse para o vidro do motorista, e então ela viu aquele maldito rosto coberto por uma máscara feita de pano velho, com costuras tortas e mal feitas. Segundos depois, uma pedra invadiu o carro, acertando a cabeça da menina, que desmaiou em seguida.

Amarrada numa cama 2x2m, nua e com muita dor na cabeça, Juliana acordou. Três homens medianos, dois deles bem fortes e um mais magro, estavam em volta da garota, com bandanas cobrindo o rosto. Ela começou a gritar por socorro, quando um dos rapazes se aproximou e vedou a boca dela com uma fita prata bastante resistente. Enquanto este acariciava os cabelos da moça, os outros começaram a tirar a roupa, ficando totalmente nus. Juliana tentava gritar enquanto os homens a penetravam, mas a fita abafava de uma maneira inacreditável. Ela começou a se debater, e foi novamente desacordada, dessa vez com socos.

Quando acordou, ela continuava nua, mas agora amarrada em um pilar que sustentava o imenso teto do posto, enquanto o rapaz mais magro jogava um liquido no cabelo dela que cheirava a gasolina. Abusaram mais e mais da pobre jovem, já passava das 05:40 quando acabaram a ''brincadeira''. Sem mais delongas, um dos garotos fez um rastro de gasolina afastando-se, mais ou menos, 110 metros da garota, e não exitou em deixar um isqueiro aceso cair. Pôde-se ouvir o barulho da explosão até da cidade vizinha, que ficava logo ali.

A polícia procurou os três homens por muito tempo, mas eles nunca foram encontrados. O posto ficava muito longe de qualquer lugar, numa estrada pouco usada, por isso não havia nenhuma testemunha. Até hoje há relatos de pessoas que passam por esse posto, desde então desativado, e vê uma mulher bem no fundo da escuridão, amarrada e se debatendo, agonizando de dor.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Quinque Infernalis Pestes

Preto. Eis a cor que Croatos usava. Uma grande capa com gorro a qual cobria seus descalços pés. Sobre o barco, carregava duas miseráveis almas, tais quais trocavam moedas prateadas com o barqueiro. O barco foi seguindo o curso do vasto rio, no qual desapareceu dentre tanta neblina. As pobres almas desceram acorrentadas umas as outras, enquanto Croatos seguia rumo de volta à imensa fila na qual mais almas sofridas o aguardavam desesperadamente.

Os acorrentados seguiram gruta à dentro, em busca de algum sinal de luz. Horas sofrendo no meio da apavorante gruta escura, eis que acharam uma criatura imensamente grotesca. Olhos negros, dedos finos e longos, ombros largos e corpo esquelético. Tal criatura os guiou até um campo verde, que naquele momento encontrava-se sombrio. Lugar onde havia gritos pedindo por ajuda, sombras que passavam dentre as gigantescas árvores, mãos que acariciavam suas faces constantemente.

Lanake, a criatura, disse em uma rouca e grave voz: Que assim seja feita a primeira peste infernal: desespero! Logo o dito, tocou em uma das almas, empurrando-a escuridão à dentro. Segundos passaram, e um forte vento correu pelo campo. A alma que sobrara correu desesperadamente para o rio. Chegando as margens do tal, achou uma brilhante maça, a qual, tomado pela fome, mordeu. Ao sentir o amargo gosto, cuspiu o que mordera, vendo assim que dentro da aparentemente saborosa fruta, havia nada menos que areia. Assim que fez, pode-se ouvir a voz de Lanake bem ao fundo gritando: Que assim seja feita a segunda peste infernal: fome! Apavorado, a alma mergulhou no rio, no qual saíram dezenas de mãos podres que o puxaram para o fundo.

Croatos chegara com mais duas almas. As mesmas que seguiram por outra gruta, esta, mais profunda e tenebrosa. Puderam achar uma fraca luz vermelha no fim de um túnel que só pudera passar aquele que rastejara até o mesmo. E assim o seguiram, encontrando um grande salão de pedras, com almas jogadas ao chão, gritando enquanto outras almas abriam seus corpos com as unhas sujas e compridas.

Um grande homem de olhos brancos aproximou-se das duas perdidas almas e disse a uma das tais: Aproxime-se mais, cara alma. Ao aproximar-se, Kreteus, guardião da segunda camada do inferno, lhe deu uma foice de cor escura, a qual era para abrir uma das almas amarradas por correntes nas camas pedregosas. Sem escolha, a alma o fez, ouvindo gritos horrendos de dor. Então, Kreteus ordenou: Que assim seja feita a terceira peste infernal: sofrimento! Tomada pelo medo, a alma que restara foi seguindo rumo ao segundo salão, acompanhado do bravo guardião.

Ao entrar, viu uma grande confusão ocorrendo em volta de um velho. Um senhor claramente sofrido, de barbas brancas e longas. A alma perguntou a Kreteus: O que faz este homem sentado em meio à confusão? Por qual motivo estas almas negras gritam? O destemido guardião respondeu-lhe: Meu caro! As almas das quais você se refere estão perdidas, e o velho o qual citou é o único ser deste mundo que pode mostrar-lhes a saída, o que não fará, pois seu dever é manter a maior quantidade de almas neste recinto em que nos encontramos. Faz isso para que não faltem almas a serem torturadas. A alma disse: Isso me dá arrepios, apenas de pensar no desespero que estes seres sentem. Então, Kreteus disse-lhe: Alma cujo nome é inexistente, deixo-lhe aqui como símbolo da quarta peste.

Kreteus berrou alto: Que assim seja feita a quarta peste infernal: medo! Croatos lá do fundo vinha trazendo uma única alma na embarcação. Alma qual vestia-se de branco. Chegando as margens do rio, a alma escolheu, dentre as três grutas, a do meio. A mesma era curta, de caminho fácil, e logo de entrada se via a luz do fim. Então ela seguiu, encontrando uma porta aterrorizantemente grande, de madeira. Antes que pudesse empurrá-la, Felignis puxou-a. A alma entrou. O guardião da terceira e última camada do inferno disse-lhe: Porque veste branco na profundeza da escuridão?

A resposta veio breve: Visto-me de cor clara pois busco a paz! Felignis gargalhou alto, mudando o semblante em seguida. Pegou forte pelo braço da última alma e disse-lhe: Está vendo esta porta? Quero que abra-a e siga o curto caminho que há atrás dela. Veja se pode encontrar a paz nela.

A alma de branco abriu a tal porta, encontrando poucos metros de chão, e em seu fim o abismo. A porta fechou-se com um forte vento gelado. A alma seguiu o caminho e caiu no abismo. Enquanto fazia, ouviu a voz de Felignis dizer: Não há paz onde há pestes, meu caro. Quando terminar este abismo encontrará almas, milhares delas, que devem ser sacrificadas. Almas das pessoas que amou. E o seu trabalho será esquartejá-las, e quando fizer isto, elas vão se recompor, para que você possa matá-las, de novo e de novo, para a eternidade, para que você possa sentir medo, desespero, fome e sofrimento. Não há paz, meu caro.

E com uma segunda gargalhada, Felignis murmurou: Que assim seja feita a quinta peste infernal: Uma mistura das outras quatro pragas, a Agonia. E assim criaram as cinco pestes infernais, as quais deixam o inferno mais apavorante. Um lugar onde as almas que mais procuram a luz, encontram a escuridão do abismo.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Acampamento do Demônio

Carol acampava com os amigos 1 vez por mês, pelo menos. Dia 15 de um setembro nublado. Não parecia muito diferente dos outros. Eles chegaram na floresta horas mais cedo, para montar as barracas sob a luz do dia, já que, ao anoitecer, não se via nada sem o auxílio de um ou dois lampiões (lanternas não eram suas preferências).

O local onde sempre se acomodavam estava estranhamente tomado por um solo musgoso e flores mortas, então caminharam mais adentro da enorme mata para encontrar um terreno plano e cercado por árvores. Faltando pouco para escurecer, eles acharam um bom lugar, embora não soubessem que já estavam muito longe da saída.

Montaram as barracas, estenderam os sacos de dormir em volta da fogueira e puseram uma pequena panela com macarrão para cozinhar, enquanto conversavam sobre a longa caminhada. Era um grupo de 5 amigos, contendo um casal de meninos gays e 3 garotas.

Após comerem e conversarem um pouco mais, foram dormir. Na mesma noite, às duas da manhã, Lucas ouviu um grito próximo de onde estavam. Ele acordou seu namorado, e depois as meninas, ficaram esperando o próximo grito para ver se não era coisa da cabeça do rapaz. E, infelizmente, não era. Minutos depois, um grito agudo e extremamente perturbante percorreu por toda a mata. Todos se amontoaram em uma só barraca, apagaram a fogueira e ficaram em total silêncio.

Alguns minutos se passaram e tudo parecia tranquilo de novo. Ao abrir a barraca, Lilian viu o corpo de uma garota de aproximadamente 16 anos jogado em frente à ela. A menina estava pálida, molhada e, para o desespero de todos, morta. Ouviram algo se aproximar, mas não viram nada. Rafael tentava ligar para alguém, mas o celular não funcionava. Quase não deu tempo de ver a sombra de um homem alto se aproximar e logo o viram rasgando a barraca com o seu facão. O grupo de amigos correu em direção ao local de onde vieram com o máximo de velocidade que suas pernas eram capazes de alcançar.

Quando estavam se aproximando da saída, um menino caiu de uma árvore com uma corda no pescoço, em frente à uma velha cabana de tamanho médio, caindo aos pedaços. Ele era jovem, 10 anos no máximo. Ficaram paralisados com a imagem macabra do garoto. Voltaram a realidade quando viram o homem alto correr muito depressa em direção a eles, e então ''voaram'' para fora do lugar.

Ao amanhecer, Carol e os amigos foram até a reserva onde os guardas cuidam a floresta. Intrigados pelo acontecido, os campistas perguntaram a eles se algo já havia acontecido naquela mata antes. Os guardas disseram que antigamente haviam boatos de que um lenhador, psicologicamente perturbado pela perda de sua esposa, teria, no dia 15 de setembro de 1934, afogado a sua filha em um córrego que passava por dentre as árvores, e enforcado o próprio filho no carvalho mais alto das redondezas, e que, se alguém perturbasse o local, seria incomodado pelos espíritos.

Os amigos continuam acampando, mas agora eles acharam um novo local, e sempre perguntam para as pessoas que moram nas proximidades se algo já aconteceu por alí.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

3º andar

Anna era quieta, envergonhada, conversava com uma ou duas funcionárias da escola na hora do intervalo. Lia seu dicionário quando não estava estudando para outra coisa. Jamais seria capaz de fazer mal à ninguém.

Treze de setembro de 1995, Anna aguardava na fila da cantina o lanche que havia pedido. A escola parecia diferente naquele dia nublado e seco, tudo estava tão calmo, neblinado, chegava a ser até um tanto sombrio. A garota ouviu seu nome, como um sussurro, várias e várias vezes, mas não conseguia encontrar quem a chamava.

Pediu para que a merendeira esperasse um instante, enquanto ela ia buscar o dinheiro que havia esquecido na mochila, mas na verdade ela estava intrigada com os chamados e foi revistar cada canto da escola. Procurou no banheiro, nas salas, no auditório, na biblioteca, mas nada de encontrar uma pista.

Uma semana depois, enquanto aguardava o sino do lado de fora da sala de aula, depois de terminar a prova, Anna ouviu uma voz citar um trecho de seu livro preferido. Foi rápido, e ela demorou um pouco pra entender o que tinha escutado. Horas depois, conversando com o simpático e velho zelador, a menina disse o que ouvira, já que o homem também contava suas histórias intrigantes de vez em quando. Como era interessada em livros e relatos, ela perguntou se nada de diferente tinha acontecido naquela escola. Ele dissera que não, pelo menos não depois de se tornar uma escola. E a conversa foi seguindo.

- Setembro de 75, lá pelo dia 20, uma garota, Angélica, estudiosa e meiga, estava na biblioteca do 3º andar, onde agora é aquela sala velha e cheia de bagunça. Ela só conseguia se concentrar lá, onde não havia nenhum ruído. Quem dera eu te-la avisado sobre aquela sala, sobre as histórias que antecedem este lugar...

- O que o senhor que dizer com isso? - interferiu Anna.

- Há muitos anos, antes deste lugar se tornar qualquer coisa, foi um hospício. Antigamente, as coisas eram diferentes. As pessoas não eram bem tratadas, não eram nem mesmo tratadas como humanos. Haviam várias salas especiais, reforçadas, entende? Para os pacientes mais agressivos, como Katherine. Ela se debatia toda noite, gritava por ajuda, dizia que demônios estavam incomodando-a. Claro que, em um hospício, ninguém se importa com esse tipo de surto. Um certo dia, quando a moça voltava do banho de sol, de alguma maneira conseguiu se soltar. Sabe, Anna, isso não era possível, não para um humano pelo menos. Três guardas a seguravam, e ela matou os três em segundos. Caiu no chão, tremendo, gritando, dizendo que o mal a possuía e que ela estava amando aquilo. E então, ela enfiou um lápis no próprio peito.

- Isso é mesmo horrível, zelador. Mas o que tem a ver com a história de Angélica?

- A sala onde Angélica estava foi a sala onde essa mulher se matou. Angélica me dizia que coisas estranhas aconteciam lá de vez em quando, sabe? Barulhos nas paredes, arranhões no chão, mesas e cadeiras que de vez em quando saíam do lugar onde foram colocadas. Eu nunca contei à ela, não queria assustá-la. Um dia as garotas do último ano perceberam que Angélica subia até o 3º andar, e decidiram infernizá-la. Durou 3 ou 4 semanas, se bem me lembro. Até que ela não pôde mais aguentar. As duas meninas e Angélica foram encontradas mortas com um lápis enterrado no peito.

O clima ficou tenso naquela conversa, então Anna mudou de assunto para tentar não pensar muito naquilo. No dia seguinte, com muita coragem e audácia, Anna subiu até a sala onde as garotas foram encontradas mortas. A sala, que costumava estar em total desordem, estava limpa e arrumada. Na mesa que ficava exatamente no meio da sala, havia um livro de capa azul, aberto. Anna chegou perto e percebeu que algumas palavras estavam sublinhadas. Puxou uma cadeira e sentou-se. Era o diário de Katherine. As partes marcadas de tinta preta diziam ''Eu não posso mais suportar, eles não me tratam como deviam. Eu preciso fazer alguma coisa, viver nessa tortura, eu não posso... apenas não posso. Tomei uma decisão complicada, mas definitiva. Os lápis estão no meu bolso direito, de hoje não passa. A partir de hoje, ninguém mais me incomodará.'' Quando acabou de ler, Sara, Linda e Heloísa entraram na sala. Essas eram as três garotas que riam de Anna por ela se preocupar mais com o estudo do que com a beleza.

- Olha como o cabelo dela está mais sujo que o normal.

- Isso só nojento, olha a cara dela, me dá vontade de vomitar.

- Vai chorar, querida?

Vinte e um de setembro de 1995. Quatro garotas encontradas mortas com um lápis no coração. Isso nunca acabará.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A estrada de corpos

Era tarde quando João e Andreia voltavam de viajem. Tinham ido visitar a mãe de João, que estava bem debilitada. Os dois estavam muito cansados, mas decidiram continuar a estrada, já que por perto não havia nenhum hotel.

João, com muito sono, por um instante desviou da rota normal e foi parar numa estreita estrada de barro batido. Andreia já dormia, por isso nem percebeu o que o marido fizera. Não demorou muito e o carro começou a tremer, como se estivesse passando por vários quebra-molas. A mulher acordou num pulo.

- JOÃO! Você saiu da estrada, não foi? Eu disse pra me deixar dirigir, eu disse.

Brava, ela abriu a porta. Ao colocar o pé no chão, percebeu que não estava pisando em barro nem no asfalto. Era algo mole, no qual, em pé, ela não conseguiu se equilibrar e caiu. O único poste do local encontrava-se bem na frente de onde eles estavam. Ao abrir os olhos, Andreia viu que estava sobre vários corpos em decomposição.

O cheiro não enganava. João desceu do carro correndo após o grito da esposa. Aos poucos, a neblina foi saindo, e foi nesse momento que os dois entraram correndo no carro, acendendo o farol imediatamente. Feio isso, viu-se que os corpos iam quilometros a frente. Resolveram aguardar no carro, já que, se voltassem passariam em cima dos corpos, e se prosseguissem, o mesmo aconteceria, e Andreia parecia querer evitar isso.

Dormiram aproximadamente umas cinco ou seis horas. Levaram um susto quando acordaram. O tempo estava do mesmo jeito. Tudo muito escuro, neblina forte e um vento tenebroso, como se as horas ali nunca tivessem passado. João ligou novamente a luz. Tudo parecia igual, a não ser pelo fato de que, agora, o capô do carro estava coberto por sangue fresco.

- Vamos sair daqui agora, Andreia. Não fico mais nenhum segundo nesse lugar!

Ela concordou. Ele girou a chave, mas nada aconteceu. O carro não funcionava de jeito nenhum, e claro que nenhum dos dois desceria para olhar o motor. João abriu o vidro do carro pra não sufocar ali dentro, e gritou:

- SOCORRO! ALGUÉM AÍ? ESTAMOS PRESOS AQUI, POR FAVOR, PRECISO DE AJUDA.

Uma voz rouca e muito grossa respondeu, não muito distante:

- Não tem como sair daqui, pobre visitante.

Ao terminarem de ouvir esta frase, um rosto demoníaco e completamente deformado apareceu na frente do carro. Novamente, João girou a chave. E, novamente, o carro não funcionou.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Elevador

Antônio voltava do trabalho numa turbulenta sexta-feira a noite. Morava num prédio de 16 andares, e seu apartamento ficava no 8º andar. O edifício tinha o nome de ''Diabolus in Flammas'', era tricentenário, e recebeu esse nome porque a igreja condenou moradores, acusados de fazer o que naquela época era bruxaria.

Antônio chegou na garagem, entrou no elevador trabalhado com madeira rústica e velha, apertou o botão do 8º andar e esperou. Ao chegar no local, percebeu que tudo estava diferente. Tudo parecia escuro e um tanto anormal. Ao longe, ele via sombras passando rapidamente, a toda hora, até que uma delas veio se aproximando vagarosamente, até chegar a 2 metros da porta do elevador.

Quando isso aconteceu, a porta fechou, e o elevador subiu 4 andares e meio até parar. As luzes se apagaram. O ambiente ficou frio. As luzes se acenderam. Um garoto pálido vestindo um terno preto apareceu ao lado do homem. Ele ficou paralisado. O menino sangrava pela cabeça, olhos e pulsos.

Aquela estranha figura foi chegando cada vez mais perto, até que, novamente, tudo ficou escuro. O elevador voltou ao 8º andar. Os corredores continuavam escuros e sombrios, e a sombra da mulher permanecia no mesmo lugar. Quanto mais ela chegava perto da luz do elevador, mais terrível aparentava ser. Seu rosto era rasgado, sua boca era retalhada, e ela andava se contorcendo.

Antônio, desesperado, começou a gritar por socorro, quando o elevador caiu com tudo, parando no 2º andar, quando começou a descer normalmente. Ele saiu correndo, e foi dormir na casa da namorada. Dois dias depois voltou ao prédio e perguntou ao morador mais antigo, o Seu José, de 98 anos mas com a saúde em dia, se o local tinha alguma história. Seu José disse que havia incontáveis histórias, e, segundo ele, todas verdadeiras. Antônio contou o que havia acontecido com ele dias atrás, e na hora o velhinho se lembrou.

Começou a contar que a mais ou menos 100 anos, Uma mulher entrou no elevador com seu filho de 13 anos. Eles subiram até o 8º andar, onde o elevador parou. A mulher desceu, distraída, pensando no casamento lindo que acontecera a pouco, e o garoto ficou. A alguns passos a moça reparou que seu filho não a seguia, e, ao olhar pra trás, o viu desmaiado ainda dentro do elevador. Ela correu, mas a porta fechou antes que ela entrasse. Ele subiu mais 4 andares, quando novamente abriu.

Dois homens aproveitadores de crianças estavam ali (estranha/ruim coincidência, não?), e tentaram abusar do garoto, mas ele acordou, e lutou com todas as forças. Não foi o suficiente. Com uma faca, os homens cortaram seus pulsos, furaram seus olhos e sua cabeça. A mãe, ouvindo os gritos, puxou a porta com muita força, até que abriu. Abriu com tudo. Ela perdeu o equilíbrio e caiu. O elevador praticamente despencou em cima dela, matando-a instantaneamente.

Depois disso, todos que pegam o antigo elevador passam por essa situação.